Quando o apito final soou no Allianz Parque na noite de 30 de outubro de 2025, os 41.892 torcedores presentes não acreditavam no que viam. Três gols perdidos, três meses de pressão, e um déficit de 3-0 na primeira partida — tudo se desfez em menos de 80 minutos. O Sociedade Esportiva Palmeiras não apenas venceu a Liga Deportiva Universitaria de Quito por 4-0, como se tornou a primeira equipe brasileira a reverter uma desvantagem de três gols em fase eliminatória da Copa Libertadores. E isso, depois de ter sido humilhado por 3-0 na altitude de Quito, a 2.850 metros acima do nível do mar. O que parecia um fim de campanha virou um dos maiores capítulos da história do clube.
Na altitude, o silêncio foi ensurdecedor
A primeira perna da semifinal, em 23 de outubro, foi um pesadelo. No Estadio Rodrigo Paz Delgado, em Quito, o LDU jogou como se tivesse o vento nas costas — e tinha. O técnico Tiago Nunes, ex-corintiano e ex-internacionalista, usou a altitude como arma. Ángel Villamíl abriu o placar aos 17 minutos, e antes que os jogadores do Palmeiras respirassem, já estava 2-0. Rodrigo Alzugaray, de pênalti, fez 3-0 aos 32. O goleiro Carlos Miguel fez três defesas impressionantes, mas nada adiantou. O time de Abel Ferreira parecia desorientado, cansado, sem ar. Foi a primeira vez em 25 anos que o Palmeiras perdia por 3-0 em uma partida da Libertadores. E pior: não havia nenhum gol marcado em casa desde o início da fase final.
Na volta, o que os torcedores viram no Allianz Parque foi algo raro: o futebol como terapia. Não foi apenas um jogo. Foi uma redenção coletiva. A torcida entrou com o peito estufado, mas a ansiedade era palpável. Afinal, precisavam de quatro gols. Quatro. Ninguém na história da competição havia feito isso em semifinal. E o time, com a camisa verde e branca suada de suor e pressão, começou lento, tentando bolas longas que não iam a lugar nenhum.
Quando o milagre começou
Os 19 minutos foram decisivos. O primeiro gol veio de Ramón Sosa, o paraguaio que sofreu com o peso da expectativa desde a derrota em Quito. Recebeu um lançamento de Allan, driblou o zagueiro e finalizou com frieza. O estádio explodiu. Aos 22, foi a vez de Raphael Veiga, o coração da equipe, marcar com um toque refinado após cruzamento de Vitor Roque. A torcida já gritava: "Vai ter final!"
Na cobrança de pênalti aos 36 minutos — após falta de Mina em Sosa — Veiga não errou. 3-0. O placar estava igual ao da ida. E o tempo ainda não havia acabado. O LDU, confuso, tentou voltar, mas o Palmeiras pressionava com fome. Vitor Roque, de 20 anos, quase fez o quarto, mas chutou em vez de passar. Um erro de juízo, mas que não abalou o ímpeto. Aos 78, Bruno Fuchs, o zagueiro que raramente marca, recebeu escanteio, cabeceou e entrou para a história. 4-0. O estádio parecia um vulcão.
Um feito que só aconteceu cinco vezes antes
Na história da Copa Libertadores, apenas cinco equipes haviam superado uma desvantagem de três gols em fase eliminatória. O mais famoso foi o River Plate em 2019, que venceu o Jorge Wilstermann por 8-0. Mas nunca, em 64 anos de competição, uma equipe brasileira havia feito isso. E nunca, em semifinal. O Palmeiras se juntou a clubes como o River, o Boca Juniors (em 1977), o Nacional (1971), o Independiente (1975) e o Deportivo Cali (1981). Mas foi o primeiro a fazer isso com o peso de um clube que já venceu duas vezes a competição e sonha com o terceiro título.
Abel Ferreira, em entrevista pós-jogo, disse: "Nós não acreditamos em milagres. Acreditamos em trabalho, em resiliência. E hoje, o time mostrou que não desiste, mesmo quando o mundo inteiro diz que é impossível."
Um final brasileira, e o caminho até Lima
Com a vitória por 4-3 no agregado, o Palmeiras avançou para enfrentar o Clube de Regatas do Flamengo na final. O Rubro-Negro havia empatado 1-1 com o Racing, em Avellaneda, e garantiu sua vaga. Será a sexta final toda brasileira na história da Libertadores — e a primeira desde 2019, quando o Flamengo venceu o River.
A decisão será no Estadio Monumental "Mario Alberto Kempes", em Lima, Peru, em 29 de novembro de 2025. O estádio, com capacidade para 80.093 pessoas, já foi palco de finais históricas, mas nunca de um confronto entre dois gigantes do Brasil. O Palmeiras, que venceu a Libertadores em 1999 e 2020, busca seu quarto título. O Flamengo, campeão em 1981 e 2019, quer reafirmar sua hegemonia.
Por que isso importa?
Esse resultado vai além do futebol. Mostrou que a altitude não é mais um escudo invencível. Que a pressão pode ser transformada em força. Que um time pode ser humilhado em Quito e, uma semana depois, levantar o estádio em São Paulo como se tivesse nascido para isso. E, mais do que tudo: que o Palmeiras, mesmo sem a estrela de um Neymar ou um Vinícius, pode construir sua glória com disciplina, coragem e identidade.
Frequently Asked Questions
Como foi possível o Palmeiras reverter um 3-0 em uma semifinal da Libertadores?
O Palmeiras conseguiu graças a uma combinação de pressão da torcida, eficiência ofensiva e erros defensivos do LDU. Os gols de Ramón Sosa e Raphael Veiga nos primeiros 36 minutos desmontaram a moral do adversário. Além disso, o LDU, cansado da viagem e da altitude, não conseguiu manter o ritmo da partida de ida. O técnico Abel Ferreira mudou o sistema para 4-2-3-1, dando mais liberdade aos meias e explorando as laterais.
Quem foi o responsável por liderar a virada no Allianz Parque?
Raphael Veiga foi o catalisador. Marcou dois gols — um deles de pênalti — e comandou o meio-campo com inteligência. Mas Ramón Sosa, que havia sido criticado após a derrota em Quito, foi o responsável por desencadear a reação, abrindo o placar e criando oportunidades. O zagueiro Bruno Fuchs, com o quarto gol, entrou para o imaginário popular como o herói improvável.
Qual foi a importância da altitude na primeira partida?
A altitude de 2.850 metros em Quito reduz a oxigenação do sangue, causando fadiga precoce. O LDU, acostumado, jogou com ritmo acelerado nos primeiros 30 minutos, enquanto o Palmeiras parecia em modo de sobrevivência. O técnico Tiago Nunes usou isso como estratégia, forçando o jogo rápido e pressionando alto. O Palmeiras não se adaptou — e pagou caro. Mas na volta, em São Paulo, a altitude não foi fator, e o time jogou com liberdade.
Quais times já conseguiram virar 3-0 na Libertadores antes?
Antes do Palmeiras, apenas cinco equipes conseguiram: River Plate (8-0 contra Wilstermann, 2019), Boca Juniors (4-1 contra Nacional, 1977), Independiente (5-1 contra Universitario, 1975), Nacional (4-2 contra Peñarol, 1971) e Deportivo Cali (4-1 contra Junior, 1981). Nenhum deles foi em semifinal. O Palmeiras é o primeiro brasileiro e o primeiro a fazer isso em uma fase mais avançada da competição.
O que está em jogo na final contra o Flamengo?
A final é a sexta entre times brasileiros na história da Libertadores. O vencedor leva o título continental e a vaga na Copa do Mundo de Clubes. Para o Palmeiras, é a chance de se tornar o primeiro clube brasileiro com quatro títulos continentais. Para o Flamengo, é a confirmação de sua era de ouro pós-2019. Ambos têm elencos fortes, mas o clima será de emoção extrema — e o Allianz Parque, ou Lima, pode ser o palco de um dos maiores jogos da história do futebol sul-americano.
Por que essa virada é tão rara no futebol?
Virar 3-0 exige perfeição ofensiva, erros defensivos do adversário e, acima de tudo, psicologia. A pressão é tão grande que muitos times desmoronam. Em 64 anos da Libertadores, só seis vezes isso aconteceu. No futebol moderno, com jogadores mais bem preparados e táticas mais rígidas, a probabilidade é ainda menor. O Palmeiras quebrou não só um placar, mas uma mentalidade: a de que certas coisas são impossíveis.
João Armandes Vieira Costa
novembro 21, 2025 AT 20:54E o técnico do LDU ainda tá tentando explicar que "a altitude" foi o problema. Pode parar, mano.